segunda-feira, 3 de junho de 2013

O Calor da Guerra Fria e o Clube atômico

Os três grandes desastres nucleares do século XX — Hiroshima, Nagasaki e Chernobyl — são constantemente lembrados. Mas estas, infelizmente, foram apenas uma fração minúscula de todas as detonações atômicas que ocorreram desde julho de 1945, em Alamogordo, no Novo México. Para ser mais preciso, 0,146%. Para dar uma noção mais precisa do impacto do uso deliberado de armas nucleares — sempre com o fim de desenvolvê-las e demonstrar força —, o artista japonês Isao Hashimoto criou o vídeo-mapa a seguir.
Hashimoto usa sons e cores sobre um mapa para representar todos os 2053(!!!) testes nucleares ocorridos entre 1945 e 1998. Cada explosão é indicada por uma bolha luminosa, sendo que o tamanho é proporcional à potência da detonação. Os testes de cada país são discriminados por cores — azul para os EUA, vermelho para a URSS, verde para a França, violeta para o Reino Unido, amarelo para a China, verde-claro para a Índia e azul-claro para o Paquistão. Cada segundo dos 12 primeiros minutos do vídeo equivale a um mês.

Os dois minutos finais apresentam um resumo por país e deixam bem claro quais foram as áreas mais impactadas pelos testes nucleares. Como se tudo se tratasse de um mero jogo de video-game, cada país tem uma pontuação: uma detonação equivale a um ponto. O total de detonações no mundo é indicado em vermelho, no canto inferior à direita. A data fica no canto superior direito.
Placar final: EUA = 1032; URSS = 715; França = 210; Reino Unido = 45; China = 45; Índia = 4 e Paquistão = 2.
Embora tenha acertado na escolha do formato audiovisual — ainda mais de algo inspirado na linguagem universal de video-games —, Hashimoto pecou por ter dado sua obra como acabada em 2003. Ele não lançou uma versão atualizada após os testes nucleares realizados pela Coreia do Norte a partir de 2006. Outra falha é que 1945-1998 é apenas um vídeo e não uma infografia interativa. Com isso, a obra é instrutiva, mas serve apenas como introdução ao tema. O espectador que queira buscar detalhes de cada um dos testes não tem como clicar em sua respectiva bolha e encontrar uma ficha-resumo. Não deixa, porém, de ser instigante.
Ainda assim, fica fácil perceber algumas coisas:
  • os anos com maior número de testes nucleares foram 1958 e 1962. Por outro lado, apenas quatro anos no período coberto pelo vídeo não tiveram nenhuma explosão atômica: 1947, 1950, 1959 e 1997. Ironicamente, houve um aumento no número de testes após o Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares, de 1963. Outros tratados similares foram ainda menos efetivos.
  • ninguém fez mais detonações nucleares que os norte-americanos. Eles parecem brincar com suas armas atômicas e, sozinhos, são responsáveis por mais da metade de todas as detonações entre 1945-98.
  • os soviéticos detonaram menos, mas foram mais extensivos no bombardeio nuclear de seu vasto território. Embora os testes se concentrem nas repúblicas da Ásia Central, houve bombas atômicas em quase todas as regiões da URSS, com exceção do extremo-oriente.
  • mesmo após a descolonização, Reino Unido e França só usaram áreas bem distantes de seus territórios, como o Oceano Pacífico, a Austrália, a África Ocidental ou o sudoeste dos EUA (no caso dos britânicos).
  • de longe, o deserto do sudoeste americano foi a área mais intensamente usada como campo de provas nucleares — mesmo com a proximidade de grandes metrópoles como Los Angeles, Las Vegas e San Francisco.
  • nem mesmo o horror do acidente nuclear de Chernobyl inibiu os militares que amam a bomba. Houve uma pequena, porém notável, moratória nuclear na URSS entre 1986-88. Entretanto, é provável que isso tenha ocorrido mais pela crise político-econômica e pelo declínio do regime soviético do que por escrúpulos do Exército Vermelho e de seus líderes políticos.
É como se tivéssemos passado por uma guerra nuclear, ainda que em câmera lenta e apenas com alvos militares secundários ou secretos. Mesmo que os testes tenham sido conduzidos em áreas menos povoadas, isso não significa necessariamente que foram totalmente seguros. O fall-out ou precipitação nuclear sempre foi um risco bastante grande — ainda que muitos testes tenham sido subterrâneos ou subaquáticos, especialmente nos anos finais do período.
Tão assustador quanto os riscos inerentes dessas explosões atômicas são suas consequências econômicas e humanas. Foi um imenso desperdício de energia (e não apenas do material nuclear).
Só o programa nuclear americano custou estimados 5,8 trilhões de dólares entre 1940 e 1996. Esse preço pode ser muito maior, pois nem todos os dados relativos ao programa estão disponíveis ao público. Parece razoável supor que os demais programas nucleares tenham custado o mesmo tanto. Em meio século, uns 11 trilhões de dólares (talvez muito mais) foram pelo ralo apenas para pagar vaidades de líderes militares e políticos. Vaidades um tanto infantis, aliás. Do tipo “o meu é maior que o seu”. Supostamente, isso tudo teria nos defendido de… nós mesmos. Um confronto direto e tradicional entre americanos e soviéticos talvez fosse mais barato — do ponto do vista puramente econômico, é claro.
Juntas, as mais de 2000 ogivas acionadas pelos membros do clube atômico devem ter custado mais que todos os programas espaciais, médicos e humanitários do mesmo período. Quantas famílias inteiras, em diversos países, não poderiam ter sido inteiramente sustentadas, bem-alimentadas, mantidas confortavelmente em boas moradias e com seus filhos educados, da pré-escola à pós-graduação, ao longo das duas ou três gerações entre 1945 e 1998? Quantos atletas, artistas, educadores, cientistas e mesmo líderes políticos não tiveram que ser economicamente sacrificados para que os militares se insultassem (ou mesmo se divertissem) com seus cogumelos atômicos?

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