segunda-feira, 30 de junho de 2014

Por que as crianças brincam?


Acontece com animais, acontece conosco
A etologia, o estudo do comportamento animal, visa explicar como e por que um comportamento se desenvolveu. Por causa da parcimônia básica da natureza, muitos aspectos do cérebro e do comportamento têm sido conservados durante a evolução, significando que muitas observações que etologistas fazem em ratos e macacos podem ser também aplicadas a humanos.
Uma visão popular é que a brincadeira foi desenvolvida porque é a chance de jovens animais aprenderem e ensaiarem as habilidades que precisarão para o resto de suas vidas, e fazerem isso em um ambiente seguro. Mas o gestual da brincadeira, enquanto similar, não é literalmente o mesmo da vida real, e não há muita evidência experimental para sustentar a conexão entre a brincadeira infantil e a experiência adulta.
Um estudo escocês com gatinhos, por exemplo, testou a hipótese de que brincar com um grande objeto no início da vida levaria a melhores caçadas mais tarde. O investigador, um psicólogo chamado T.M. Caro, então na Universidade St. Andrews, não descobriu nenhuma diferença nas habilidades de caça entre um grupo de 11 gatos que haviam sido apresentados a brinquedos em sua infância e outro grupo de controle, de oito gatos, que não.
Uma visão alternativa está chamando atenção, baseada na crença de que deve haver algo mais importante nessa atividade. A brincadeira é então vista não como um ensaio literal, mas como algo menos direto e, no final, mais importante.
Zoólogo da Universidade de Idaho, John Byers começou a pensar sobre o cérebro e a brincadeira quase por acidente. Passou anos estudando os movimentos divertidos de cervos, de antílopes e de bodes selvagens das montanhas, chamados ibex.
Em quase todas as espécies estudadas, o gráfico de disposição para brincadeiras parecia um U invertido, aumentando durante o período juvenil e daí caindo por volta da puberdade, o período depois do qual a maioria dos animais não brinca muito.
Na tarde de um inverno em 1993, Myers perambulava pela biblioteca da Universidade de Idaho, dando uma olhada nos livros, como fazemos quando não estamos certos sobre o que procuramos. Um dos livros continha um gráfico da curva de crescimento de uma região importante do cérebro, o cerebelo, durante o período juvenil de um rato. A curva de crescimento do cerebelo do rato era quase idêntica à curva de disposição para brincadeiras. A tabela fazia parecer que a taxa de crescimento da disposição para brincadeiras nos ratos sincronizava quase perfeitamente com as taxas de crescimento de uma região crítica do cérebro, a área que coordena os movimentos originários de outras partes dele.

Essa sincronia sugeria algumas coisas a Byers: que o ato de brincar pode estar relacionado ao crescimento do cerebelo, desde que os dois atinjam o pico mais ou menos ao mesmo tempo; que há um período sensível no crescimento do cérebro, no qual o tempo é importante para que o animal seja estimulado com brincadeiras para esse crescimento; e que o cerebelo precisa dos movimentos de todo o corpo na hora da brincadeira para obter sua configuração final.
Sergio Pellis, um neurocientista da Universidade de Lethbridge, no Canadá, estuda como danos no cérebro de ratos afetam o comportamento na hora de brincar, e se o relacionamento funciona também ao contrário. Ou seja, se não apenas ratos com um cérebro danificado brincam de forma anormal, mas também se ratos privados de brincadeiras desenvolvem anormalidades em seus cérebros.
Em uma série de experimentos conduzida no ano passado, Pellis e seus colegas criaram 12 fêmeas de ratos, desde que foram desmamadas até a puberdade, sob uma das duas condições. No grupo de controle, cada rato era enjaulado com três outras fêmeas juvenis.
No grupo experimental, cada rato foi enjaulado com três fêmeas adultas. Pellis sabia, por estudos anteriores, que ratos enjaulados com adultos não brincariam, já que ratos adultos raramente brincam com os pequenos, mesmo seus filhotes. Eles teriam todas as outras experiências sociais normais que os ratos de controle teriam: limpar o pêlo, mexer no nariz, tocar, cheirar; mas não iriam brincar.
Na puberdade os ratos eram mortos para que os cientistas pudessem estudar seus cérebros. O que Pellis e seus colaboradores descobriram foi a primeira evidência direta de um efeito neurológico pela privação de brincadeiras.
No grupo experimental eles descobriram um padrão mais imaturo de conexões neurológicas no córtex medial pré-frontal. Ratos, como outros mamíferos, são nascidos com uma superabundância de células cerebrais corticais. Quando o animal amadurece, a informação vinda do ambiente leva a uma eliminação aparada e selecionada dessas células em excesso, das ramificações e das conexões. A brincadeira é vista como uma das influências ambientais que ajudam nessa poda; e essa pesquisa mostrou que a privação de brincadeiras interfere nesse processo.
Entender o que essas descobertas significam em termos de função envolve uma certa quantidade de conjecturas. Para Pellis, sua observação de um córtex medial pré-frontal mais complicado e imaturo, em ratos privados de brincadeiras, significa que esses ratos serão menos aptos a fazerem ajustes sutis em um mundo social.


Um convite à flexibilidade
O coração da brincadeira é sua seqüência de ações fluida e dispersa. Nas palavras de Marc Bekoff, um biólogo evolucionário da Universidade do Colorado, a brincadeira é, em sua essência, 'um caleidoscópio comportamental'.
Na verdade, é a qualidade deste caleidoscópio que leva Bekoff e outros pesquisadores a verem a brincadeira como a melhor maneira de jovens animais ganharem um repertório comportamental mais variado e positivo. Mesmo que a flexibilidade hipotética e moderna, que corre atualmente, seja uma restauração de uma idéia que Bekoff apresentou pela primeira vez nos anos 1970. Se uma única função pode ser relacionada a todas as formas de brincadeira, e a todas as espécies que brincam, de acordo com essa linha de pensamento brincar contribui para um crescimento de cérebros mais suaves e flexíveis.
'Eu vejo a brincadeira como um treinamento para o inesperado', diz Bekoff. 'Flexibilidade e variedade comportamental são adaptáveis; em animais é realmente importante estar apto a uma mudança no comportamento em um ambiente mutável.' Brincar, ele diz, leva a uma flexibilidade mental e a um vocabulário comportamental mais amplo, que auxilia o animal a obter sucesso no que importa: dominância do grupo, seleção de companheiros, prevenção de captura e busca por alimento.

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