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DOM PEDRO II - O imperador quase Judeu
D. Pedro II em sua visita a Jerusalém. |
BOAS RAZÕES PARA VISITAR PORTUGAL
Passear por Portugal é esbarrar nas lembranças do povo hebreu a todo momento. Lembranças boas e ruins. Infelizmente mais ruins que boas, afinal de contas nem sempre foi fácil para o judeus viverem em terras lusitanas. Entretanto, é um excelente lugar para os brasileiros quem amam Israel fazerem turismo, pois trata-se de um país onde não são exigidos vistos especiais, os preços das acomodações são módicos, a neve é generosa no inverno e não há a necessidade de intérpretes, uma vez que a língua falada é a mesma.
Quem viaja por Portugal depara-se com todo tipo de referência judaica. Em freguesias como Guarda, Trancoso, Belmonte, Covilhã, Gouveia, Linhares da Beira, Celorico da Beira, Pinhel e Penamacor encontramos não só ruínas de sinagogas como muitas casas originais dos antigos guetos conhecidos como Judiarias. Este imenso patrimônio histórico está localizado naquela que é conhecida como a “Rota das Judiarias”.
Há de fato uma enorme concentração de sítios judaicos nesta região, mas também nos mais distantes rincões de Portugal encontramos todo tipo de referência à passagem dos judeus por esta parte da Península Ibérica. Além das famosas sinagogas do Porto e de Lisboa e do Cemitério Judaico do Faro, há um sem número de atrações a serem descobertas por quem ama a história do povo hebreu e suas peregrinações na diáspora. Em Castelo de Vide, por exemplo, além da judiaria há uma bela e simpática sinagoga que está hoje transformada em museu; Carção é uma freguesia com 80% dos moradores descendentes de judeus; em Mirandela o turista é surpreendido com a intrigante Jerusalém do Romeu e seu Museu das Curiosidades; mais ao sul encontram-se aldeias como Limede e Cadima, cujas toponímias vêm, indiscutivelmente, das letras e palavras hebraicas Lâmede e Kadima; e há pelo menos dois Vales dos Judeus.
A presença dos judeus em Portugal é um fato histórico bastante conhecido e bem documentado, mesmo que não tão divulgado quanto deveria. Mas, o que eu gostaria de compartilhar com vocês agora é uma faceta da História não muito conhecida: O amor de um dos expoentes da família real portuguesa pelo idioma dos judeus, o hebraico.
Embora não fosse português, pois nascera no Brasil, D. Pedro II era membro da Casa de Bragança e um genuíno sangue lusitano corria em suas veias. Ao debruçar-se sobre a história dos seus antepassados o Imperador do Brasil não pôde deixar de envergonhar-se pela forma como estes trataram os judeus e, talvez, tenha surgido daí uma surpreendente paixão pelas coisas de Israel, seu povo e, principalmente, seu idioma.
Para entender melhor o que estou a dizer, compartilho com vocês um interessantíssimo texto publicado em Israel há alguns anos. Na verdade, trata-se da transcrição de parte de um depoimento dado pelo professor Shlomo Haramati à Rádio Kol Israel em Dezembro de 1998. Shlomo Haramati é doutor em Linguística Aplicada e trabalha como professor desta disciplina na Universidade Hebraica de Jerusalém. Em 1974, Haramati foi agraciado com o “Prêmio Jerusalém” em reconhecimento aos seus “esforços no desenvolvimento de métodos para o ensino do hebraico como língua materna e como língua estrangeira”.
O HEBRAICO VIVO ATRAVÉS DAS GERAÇÕES
D. Pedro II, imperador do Brasil de 1841 a 1889, era conhecido por sua vasta cultura e ampla gama de interesses, dominando diversos idiomas inclusive o hebraico. Segundo o semanário HaMaguid (O Anunciador), o primeiro a ser editado na Europa na língua hebraica, “as línguas europeias D. Pedro falava e escrevia com desenvoltura, e também conhecia bem o hebraico”.
Houve sempre, por parte do imperador brasileiro, profundo interesse em assuntos de cultura geral e científica e extrema dedicação ao estudo de idiomas. Participava de diversas academias de ciências e letras, tendo sido eleito membro da Academia Francesa e tornando-se imortal.
Continua HaMaguid: “Era membro ativo de diversas sociedades científicas na Europa e foi eleito para a Liga dos Quarenta Sábios, em Paris”.
Ainda jovem, D. Pedro II demonstrou especial interesse pela língua hebraica, a qual estudou durante toda a sua vida com afinco, com o auxílio de rabinos e professores judeus em sua pátria e também no exterior. Há diversos testemunhos quanto ao excelente domínio da língua hebraica a que chegou D. Pedro, incluindo fala fluente e redação criativa.
Segundo o próprio D. Pedro, seu primeiro professor foi um judeu sueco chamado Akerblom. Após a morte deste, estudou o imperador com o Dr. Heining, falecido em 1888. O Dr. Koch também é lembrado como um de seus professores de hebraico.
A partir de 1886 estudou D. Pedro com seu assistente de pesquisas, Dr. Christian Seybold, que era também professor de línguas orientais. Com ele estudou também árabe, com o objetivo, segundo seu próprio comentário, de entender melhor o hebraico e também capacitar-se a ler a literatura árabe no original.
Seu apego à língua hebraica foi interpretado como uma forma de compensar os atos de crueldade cometidos por seus antepassados, reis de Portugal, durante a Inquisição, e também motivado por sua vontade de ler a Bíblia no original.
Contam que certa vez encontrou D. Pedro, nos jardins do palácio, uma Bíblia em hebraico que havia sido perdida por um pastor protestante. Esta descoberta provocou em D. Pedro forte emoção, a ponto de levá-lo a tomar a decisão de estudar hebraico.
Estudou D. Pedro o hebraico durante toda a sua vida, e quando foi deposto pelos republicanos em 1889 encontrou alívio para seu sofrimento no exílio estudando línguas, aprofundando especialmente seu conhecimento da gramática e literatura hebraicas. Um de seus biógrafos, Georg Raeders, assim descreveu: “A fim de encontrar consolo em seus anos de exílio, ele também estudou grego e árabe, mas acima de tudo sentia-se atraído pelo hebraico. E a razão disto era que em seu exílio ele se identificava com um povo que também vivia exilado.
Não há dúvidas que seu profundo interesse pelo hebraico, em seus últimos anos de vida, resultava de ser esta a língua de um povo que vivia na diáspora, estando ele próprio solitário e longe de sua pátria.
Sua afinidade com o hebraico foi também por vezes ridicularizada. Em 1872, o romancista português Eça de Queiroz publicou artigo criticando as viagens de D. Pedro à Europa e aos Estados Unidos.
“Sua Majestade,” escreve o romancista, “conhecido pela modéstia nos costumes e nas iguarias que impõe no palácio real, tem na verdade uma gula especial e única – a língua hebraica. Por não levar acompanhante conhecedor do hebraico em suas longas e tediosas viagens por trem, assim que chega, faminto, ao seu destino, sendo festivamente recebido, só sabe balbuciar: ‘Hebraico!’”.
E continuava Eça de Queiroz: “Certa vez, quando recebido com pompa nos palácios reais ingleses e solicitado a exprimir suas vontades e preferências, exclamou com voz sofrida: ‘Hebraico!’. Os oficiais da recepção, espantados, tiveram a genial ideia de levar o imperador a uma sinagoga. Rodeado por judeus imersos em suas orações, pôde deglutir D. Pedro, com muita curiosidade e satisfação, porções sem fim de hebraico”.
Em seu exílio escreveu D. Pedro um livro de gramática hebraica, em francês, e traduziu do hebraico para o francês a canção “Had Gadiá”, da Hagadá de Pessach, por entender que esta canção refletia a essência da justiça divina e seu poder sobre a vida e a morte. Traduziu também, de um jargão misto de hebraico e provençal, para o francês, três cânticos litúrgicos antigos (séc. XVI ou XVII), que costumavam ser entoados nas festas de Brit Milá e Purim por algumas comunidades na Provence.
Sobre estas traduções observou [o jornalista e escritor israelense] Nahum Sokolov: “Nenhum de nossos homens de letras teve a ideia de salvar do esquecimento e da perda estas peças do folclore judaico, até que veio o imperador brasileiro e coletou-as, interpretou-as, traduziu-as e publicou-as, com total fidelidade aos originais”.
No livro que publicou com estas traduções, aduziu D. Pedro na introdução a história destas canções e seu valor literário, para que seus leitores pudessem captar a luminosidade oculta nos tesouros da literatura hebraica. No prefácio deste livro, declarou o monarca brasileiro seu amor pela língua hebraica e descreveu as sucessivas etapas de seu estudo, mencionando com reverência os nomes de seus professores de hebraico, como citamos anteriormente.
Nos anos 70 e 80 do século XIX, ainda imperador do Brasil, D. Pedro viajou diversas vezes para a América do Norte e Europa. Nessas viagens ele ampliou seu conhecimento de línguas antigas (sânscrito, grego e hebraico), como menciona edição de HaMaguid de 1887: “D. Pedro II, imperador do Brasil, é pessoa culta e estudada. Em suas horas livres ocupa-se do estudo do sânscrito, do grego, do hebraico e suas literaturas. Para este fim, ele leva consigo em suas viagens ao exterior muitos livros raros, escritos nessas línguas, despendendo horas em sua leitura”.
Em suas viagens costumava D. Pedro encontrar-se com intelectuais judeus de sua época, como Adolf Frank (1809-1893), primeiro professor judeu na Sorbonne, Israel Michel Rabinowitz (1818-1893), que traduziu parte do Talmud para o francês, Julius Opert (1825-1905), assiriologista muito conhecido na época, A.A.Neubauer (1831-1907), pesquisador de manuscritos hebraicos e diretor da biblioteca da Universidade de Oxford nos anos 1873-1900 e Moïse Schwab (1839-1918), diretor da Bibliothèque Nationale de Paris e tradutor do Talmud de Jerusalém para o francês.
Quando chegou D. Pedro a São Petersburgo em 1876, encontrou-se com A.A.Harkavi (1839-1919), diretor da Biblioteca Real, que era conhecido como pesquisador de manuscritos hebraicos antigos. D. Pedro manteve com ele longas discussões sobre os manuscritos que lá se encontravam.
Quando de seu exílio em Paris (1889-1891), manteve D. Pedro laços de amizade com intelectuais e escritores hebraístas e judeus. Não é de surpreender que nessa época a visão aguçada de Ephraim Deynard (1846-1936), bibliógrafo e comerciante de manuscritos hebraicos, tenha atraído o mui-ilustrado imperador no exílio para oferecer-lhe manuscritos e livros hebraicos antigos. Foi divulgada carta de Deynard a D. Pedro, na qual destaca o conhecimento da língua hebraica pelo imperador, o que o eternizaria: “Desta forma Sua Majestade destacou-se e gravou seu nome, em letras luminosas, na história e no coração do povo do Deus de Abraão”.
E assim cumprimentou Deynard o imperador, em seu nome e em nome do povo de Israel: “Esta saudação é-lhe dirigida por dezenas de milhares de filhos de Israel, pela grande honra que Sua Majestade conferiu a este povo antigo por ter estudado sua língua”.
Em suas viagens ao exterior costumava D. Pedro visitar sinagogas. Consta que em 22 de Setembro de 1876 esteve em visita à sinagoga de Odessa e impressionou-se com a bela melodia das orações.
Sobre as visitas de D. Pedro a sinagogas escreveu o historiador A.R.Malachi: “Entrava incógnito e sentava-se junto à porta, como se fosse um visitante pobre. Em algumas sinagogas, pensando que fosse judeu, quiseram dar-lhe a honra de ler na Torá e, para tal, perguntaram-lhe seu nome e de seu pai. Mas o visitante dizia a verdade, respondendo que não era judeu”.
Temos testemunhos de que D. Pedro costumava orar em sinagogas, com o livro próprio de orações em hebraico. Seguindo as instruções contidas no livro, certa vez na sinagoga de Bruxelas, soube quando levantar-se e o que dizer, acompanhando atentamente a liturgia.
Segundo outras fontes, cumpriu sim D. Pedro o ritual da “subida” à Torá, dizendo as respectivas bênçãos em hebraico e até mesmo traduzindo os versículos que havia lido. Assim ocorreu em sua visita a Londres em 1871, na grande sinagoga da Great Portland Street, e também na sinagoga de Bruxelas. Nesta última, diante do espanto geral dos circunstantes, declarou D. Pedro: “Levarei comigo, em meu coração, o selo da Torá de Moisés, e suas palavras pairarão para sempre diante de meus olhos”.
Conta-se que também “subiu” à Torá na sinagoga da cidade de São Francisco, na Califórnia, e também lá demonstrou seu conhecimento através da tradução correta dos versículos que leu. Discutiu, inclusive com os rabinos, sobre a importância da língua hebraica.
Em Dezembro de 1876 visitou D. Pedro a Terra Santa, tendo participado com os judeus de Jerusalém das orações de sexta-feira à noite, junto ao Muro das Lamentações. Foi provavelmente nesta viagem que adquiriu o imperador os rolos da Torá, recentemente redescobertos no Museu Nacional no Rio de Janeiro.
Como dito, dominava D. Pedro II a língua hebraica, a ponto de manter conversação fluente. Conta-se que no tempo em que foi imperador, convidou alguns líderes da comunidade judaica brasileira a seu palácio. Quando se apresentaram, com todo o respeito devido a Sua Majestade, este dirigiu-se a eles em hebraico. O espanto dos líderes judeus foi grande, por não entenderem palavra do que o imperador lhes dizia e porque não poderiam supor que Sua Majestade se dirigiria a eles em hebraico. Passada a surpresa, o imperador repreendeu-os: “Que judeus são vocês, que não compreendem a língua de seus antepassados ?!”
D. Pedro faleceu em Paris em 5 de Dezembro de 1891. Na eulogia publicada no jornal HaTsfirá (A Sirene), editado em Varsóvia na língua hebraica, escreveu Israel Isser Goldblum (1863-1925) sobre a vasta cultura de D. Pedro II e seu especial interesse pela língua hebraica, tendo sido salientado o fato de o imperador do Brasil saber e falar fluentemente o hebraico: “Bem aventurados aqueles que viram D. Pedro II, Imperador do Brasil, e ouviram-no falar na língua sagrada. Bem aventurados todos aqueles que o saudaram e foram por ele saudados”.
IMAGENS DE PORTUGAL JUDAICO
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2 comments:
Embora a língua hebraica seja realmente a língua mãe do povo judeu, ela deixou de ser falada na diáspora, sendo relegada ao papel de língua litúrgica por quase 2 mil anos. Foi apenas Eliezer ben-Yehuda que ressuscitou a língua como falada na década de 1880. Portanto, embora aqueles judeus aos quais d. pedro II se dirigiu pudessem compreender as palavras que ele havia dito, não saberiam como responder, porque esta fluência estava adormecida.
O Hebraico é a língua dos Malachim! É a língua sagrada do Povo Judeu!
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