quarta-feira, 26 de março de 2014

Colaboração internacional deve ir além da pesquisa


A colaboração internacional pode ser o melhor caminho para uma universidade atingir o status de “classe mundial” e conquistar benefícios como governança, recursos, projeção, mobilidade e sustentabilidade.
A avaliação foi feita por Colin Grant, pró-reitor de Internacionalização da University of Bath, no Reino Unido, no segundo dia do simpósio Excellence in Higher Education. Realizado pela FAPESP em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o evento tem o objetivo de debater os determinantes da excelência no ensino superior no Brasil e formular recomendações que poderão embasar políticas públicas.
Para Grant, a colaboração internacional vai além da simples parceria em pesquisa. Precisa abranger até mesmo o nível de governança institucional. Leia a seguir a entrevista concedida por Grant à Agência FAPESP:

Agência FAPESP – O senhor afirmou, durante sua apresentação, que o conceito de “world class universities” é questionável. Poderia ser entendido como universidades de elite ou como universidades de pesquisa. Como o senhor definiria uma universidade de classe mundial?
Colin Grant – Como qualquer conceito, no momento em que você nomeia, torna-se algo fixo e limitado, quando a realidade é muito mais complexa. É um conceito antigo. Hoje, comparadas à super elite das universidades – Harvard, Stanford, Cambridge, UCL [University College London] –, as world class universities poderiam ser consideradas quase como de segunda categoria. No entanto, entendo o desejo brasileiro de ter instituições de classe mundial e penso que já existem algumas no país. O que defendo é que há outros modelos para se alcançar o status de world class que não dependem de uma instituição atuando de forma isolada. Isso pode ser feito por meio de uma parceria mais ampla, multilateral, fazendo parte de uma coalizão de universidades excelentes. Dessa forma, é possível obter governança, recursos, projeção, mobilidade e sustentabilidade. É uma abordagem diferente, que apresento com base em nossa experiência na University of Bath. É uma instituição com menos de 50 anos e já está entre as dez melhores do Reino Unido. Isso é fantástico. Claro que internacionalmente é muito mais difícil para uma jovem universidade ter uma grande projeção. Reconhecemos que a colaboração internacional é o único jeito de conseguir impacto maciço com benefícios multiplicados. Por essa razão, nossa estratégia é forjar parcerias muito fortes em todos os níveis, inclusive de governança, com nossos parceiros no mundo inteiro, como África do Sul, China, Coreia, Brasil [a FAPESP assinou acordo de cooperação com a University of Bath em 2013], Colômbia e México.
Agência FAPESP – Parece-me que seu conceito de colaboração internacional vai além de simplesmente realizar projetos conjuntos de pesquisa, certo? O que seria uma colaboração em nível de governança?
Grant – Se, por exemplo, três universidades decidirem criar juntas um doutorado multisite, caso em que os alunos passariam um ano em cada uma das instituições, isso exigiria mudanças no regimento das três universidades. Trata-se de um desafio institucional e de um enorme ganho para o aluno que entra no programa, pois ele terá no currículo experiências internacionais, três títulos diferentes e uma experiência intercultural muito enriquecedora. Esse aluno seria um cidadão apto para a globalização de hoje. Quando falo em multilateralismo, não me refiro simplesmente à pesquisa conjunta. Falo de criar programas, investir recursos, criar núcleos de pesquisa multilaterais. Em Bath, por exemplo, estamos montando uma rede na área de ciência das águas, que envolve a Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], a USP [Universidade de São Paulo], a Stellenbosch University [na África do Sul] e outras. Acredito que a competitividade mundial leve a um certo individualismo e à crença de que a instituição tenha de se transformar sozinha em uma universidade de excelência. Mas no mundo competitivo do ensino superior de hoje a mobilização de uma rede de colaboração maior oferece um outro caminho com maiores benefícios e enriquecimentos múltiplos para todos os parceiros. Se essa rede que estamos desenvolvendo der certo, teremos mobilidade na graduação, estágios em indústria no mundo inteiro, mobilidade e portabilidade de crédito em programas de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em diferentes países. É uma visão ampla. Outra parte importante do desafio é não ter medo de estender a mão para outros setores do sistema de inovação, como empresas, indústrias, comércio, ONGs e agências de fomento.
Agência FAPESP – O senhor afirmou que a dicotomia entre ensino e pesquisa deve ser quebrada. Na sua avaliação todas a universidades devem se dedicar às duas atividades?
Grant – Não vejo justificativa para uma universidade – que é diferente de um instituto de pesquisa – ausentar-se do fomento de talento futuro, seja doutorandos, mestrandos ou alunos de graduação. Já convivi com professores titulares que nem sequer orientavam doutorandos, pois diziam que eles atrapalhavam a pesquisa. Essa visão me é muito estranha. A universidade tem esse papel múltiplo e basicamente é de desafiar o conhecimento atual. Pesquisa é fundamental, mas também o ensino. Gosto de ver alunos de 18 anos sendo inspirados por eminências do campus. Nada é mais enriquecedor do que essa experiência. Por outro lado, penso que todas as universidades do país devem se dedicar à pesquisa, mesmo aquelas nos últimos lugares do ranking.
Fonte: Fapesp

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