quinta-feira, 9 de maio de 2013

A triste realidade brasileira frente ao trabalho infantil doméstico

Vivendo no sertão do Ceará há mais de 80 anos, Tereza Veras se ressente de ter que dividir as tarefas domésticas da fazenda com as duas filhas, as únicas – dentre os oito irmãos – que não deixaram a propriedade da família para tentar a vida em centros urbanos com maiores oportunidades.
De saúde frágil, o que exige visitas indesejáveis ao médico em Fortaleza (CE) e cuidados extras das filhas, dona Tereza sente falta do tempo em que os trabalhadores da fazenda forneciam a mão de obra doméstica. “Era só mandar buscar a filha de um morador para ajudar em casa”, lembra com saudade.
Os “moradores”eram na verdade trabalhadores da fazenda que pouco recebiam além do necessário à própria sobrevivência – como casa e comida. Atualmente oferecem sua força de trabalho a centenas de quilômetros dali. Oito meses por ano – na época da colheita – são atraídos pelas diárias pagas por grandes produtores rurais de outros estados.  E seus filhos e filhas já não se interessam mais em trabalhar na casa de terceiros em troca de agrados como sapatos ou vestidos.
Apesar de receberem, dos fazendeiros, títulos como “filhas de criação” as jovens trabalhadoras domésticas não tinham direito ao estudo ou mesmo a oportunidade de sonhar com um futuro diferente, como os filhos legítimos da casa.



Não ao trabalho infantil doméstico
O trabalho infantil doméstico, uma das atividades que o governo brasileiro combate e pretende erradicar até 2016, já foi considerado um tipo de relação de trabalho comum por várias gerações marcadas pela pobreza.
A ministra do Tribunal Superior do Trabalho, Delaíde Alves Miranda Arantes, que foi trabalhadora doméstica na adolescência, explica que a mãe concorda em deixar a filha com os patrões na esperança de um futuro melhor para a jovem, principalmente quando existe a possibilidade de estudo, o que normalmente termina por não acontecer. “O trabalho infantil é de conveniência da mãe e do pai, que precisam dele para sustentar a casa, mas não levam em conta a importância da criança estudar, brincar, estar inserida no contexto educacional, social e cultural”, alerta.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem dez milhões de crianças trabalhando em casa de terceiros no mundo. No Brasil, onde a legislação permite o trabalho doméstico somente após os 18 anos, as estatísticas oficiais contabilizam cercam de 400 mil crianças nessa situação. Número não muito confiável, de acordo com a ministra Delaíde, devido à informalidade comum na atividade doméstica, realizado na privacidade do lar e sem a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
“Não temos poder de polícia, por isso não podemos entrar nas casas quando recebemos denúncias de trabalho doméstico”, reconhece Luiz Henrique Ramos Lopes, chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do MTE. Ele explica que nessas situações os fiscais do trabalho oficiam o Ministério Público Estadual e o Conselho Tutelar para agirem.

Particularidades
Enquanto o decreto 6.481/2008 da Presidência da República classifica o trabalho doméstico como uma das piores formas de trabalho infantil, ele ainda é aceito como forma de sobrevivência necessária em algumas classes sociais brasileiras.
Essa contrariedade fica evidente quando Maria Teotônia Ramos da Silva, aposentada após 60 de trabalho doméstico, relata sua experiência de começar a trabalhar aos 11 anos na casa de uma família abastada de São Luís (MA). Ela não tem dúvida em dizer que foi “uma coisa muita boa”.
“Eu sempre quis ter minhas coisas, um sapato, um vestidinho”, responde justificando o precoce início na vida profissional. Dona Teotônia garante que aprendeu muita coisa naquele lar em que trabalhou, e que sua vida seria muito mais difícil se não tivesse deixado a realidade “humilde da roça” no interior do município de Santa Rita (MA).
Embora não recebesse salário, conta que era bem tratada e que o trabalho na casa era leve, pois apenas ajudava no corte e costura de roupas para os filhos da patroa rica, dona de fábrica.
Mesmo com todos os elogios aos patrões, ela revela que nunca teve acesso à educação formal, como ocorreu com os filhos dos seus empregadores. Não permitiram que ela fosse para a escola com a promessa de que iriam contratar um professor para lhe ensinar em casa, o que nunca ocorreu. Isso, no entanto, não impediu que Teotônia aprendesse a ler, embora não saiba escrever muito bem. “Quem me ensinou foi Deus, porque eu leio a Bíblia.”

Augusto Fontenele / RA

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